Reflexo

"The longer She is dead the more blissfully She remains"

Falei-te ao ouvido, baixinho para ninguém ouvir. Pedi-te com carinho que fosses desenhado a preto e vermelho e de braços grandes e de ombros fortes, mesmo que fosses só um menino. - Vai embora. 
Não queres ir, tens medo, como eu, de voar? Falo de ti, eu sei. Ao teu ouvido digo-te baixinho, perto, a falar e a respirar, com uma mão nos teus cabelos e outra no teu olhar, que gosto de ti. Que sou como tu. Que sinto o mesmo. Que me sei rir do mal e chorar ao imaginar que vais deixar de ser menino. - Não vás embora. - Mesmo assim, não sei dizer que te amo. Porque não te amo. Que te quero, porque não te quero. Era capaz. Colocaria todo o meu coração no teu peito. Seria mesmo como tu. Seria tanto à tua imagem, que podias ficar. Porque te olhas. Porque te olharias. Porque eu sei que gosto de ti. Como tu és. Desenhado com mais cores e defeitos. Serias falível, já sabes que não posso fazer mais que mentir-te ao ouvido. Mas como tu és, mais ninguém seria. Então diz-me porque ficas quando eu não te amo e não te quero? Porque te assombro. Como uma sombra no canto da mente que aparece nas luzes fortes da noite. Um assobio. No ouvido. Escuta, que o que sabemos fazer melhor é falar. Gosto de ti, daqui a dez anos, mais cansado, daqui a cinquenta, mais feio. Dou-te uma cadeira na minha varanda e não te esqueças que ela não é tua. Nem eu. Nem tu. Nem nós. Nunca existimos. Fecha os olhos, pisca devagar a saber que os estás a fazer, e quando abrires os olhos pensa que me esqueceste. Que fui tão rápida a sair como a entrar. Não sabemos por que janela me viste passar, não sei por que porta me vi sair. Disseste-me que o mundo tinha mais que uma janela e que eu era capaz de saltar. Só estou a fazer o que me ensinaste. Julgaste-me incapaz de saltar para dentro das portas da tua percepção. - Olá. Adeus. Até já. Vejo-te em breve. - Não me fales ao ouvido da próxima vez que me encontrares. 

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