Estava nos rascunhos

Presenteio-vos com o que menos gosto, desculpem, apresento-vos a minha incoerência. Atropelei-me para cá chegar, e vim atrasada. Vim atrasada numa transposição de mim mesma. Devo ter dito para ir à frente enquanto me tentava apanhar. "Já te apanho". Com certeza, apresento-vos a incoerência de mim mesma. Abri a porta do quarto e sentei-me na cama. Cheira a tabaco nos lençóis, creio até ser capaz de fumar directamente da fronha, tenho a alma encardida e amarrotada e não faço a cama onde me deito. Não me quero desculpar, é claro, mas abri a porta do quarto sem ter em atenção a falta de educação de uma sala cheia de gente. Por favor não finjam que reparam que me ausentei, tenho a alma por mudar há semanas. É preciso saber sair. Devagar, ainda que repentinamente. Levantando o corpo num só gesto, como se fosse breve a ausência, é precisar sair dos lugares. Penso que se passa o mesmo com a vida das pessoas. Não quero enganar ninguém com metáforas, gostava de ser concisa como nos cafés em que falo com aqueles que falam a minha linguagem, mas tenho um problema com a materialidade das relações. Sou prática porque me levanto num só gesto e não me despeço, mas prefiro um quarto sujo com um livro desassossegado a uma sala cheia de gente. Venho a aperceber-me da minha necessidade de isolamento e não sei porque me debato tanto em processo de abandono. Não é sobre isto que eu quero escrever. Na verdade, a maneira como eu me canso ordinariamente das pessoas e as descarto e me estou a desculpar com feitios e feitos é já um pensamento secundário. Reparando que sendo tantas vezes um problema na verdade deixou de o ser. Ou a normalidade. A banalidade da existência que não consigo captar em ninguém da forma que eu sinto acaba por ser impressa nesta ausência. Neste bloqueio. Tenho um plano gráfico da minha emoção sempre mentalmente claro e exposto na cara de cada um que me fala. É mais do que evidente para mim que tenho um problema em ouvir neste momento. Como um quadro torto no meio da sala que ajeitas sempre que passas, não sei se me sinto como a pintura que já é anónima ou se me sinto com a força da madeira e do metal para firmemente te dizer que tenho um lugar. Ainda que esta última opção não me agrade de maneira nenhuma. Tenho um problema em ouvir-te e por isso olho-te de frente. 
Também não é sobre isto que eu quero escrever, não quero escrever sobre como tenho sido egoísta, fechada e desonesta no tratamento dos outros. Tenho um enorme carinho, quero acreditar, mas não tenho paciência. Sou até apenas desonesta porque não sabeis vós mas eu não tenho paciência para nenhum. E nem me lembro de ter escrito isto.

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