Não quero abrir essa loja sem livro de reclamações. Não quero escrever, não quero. Quero encontrar um amor que me faça escrever sobre amor. Não quero pegar na caneta correctamente azul e não quero assinar por baixo a preto. Que sejam a lápis e sem borracha, ainda aceito, mas não quero. Não quero voltar a abrir a boca, não quero voltar a pensar. Não quero entrar neste processo entediante. Não quero a futilidade do café, ser uma velha na esplanada de uma nacional paralela a uma auto-estrada de ver a vida a passar-me à frente. Não quero cigarros, não quero mais cigarros. Não quero mais dedos para contar, bastava-me uma mão, não sei onde perdi a capacidade para a fechar. Para não a dar. Não quero dar afecto banhado a meias gargalhadas, meios olhares reprovadores, tudo a meio. Não quero nada a meio. Quero rasgar os livros, as folhas pautadas, os cadernos com argolas fáceis de abrir. Quero ser escritora. Quero encontrar um amor que me faça escrever sobre amor. Quero um olhar dourado, pulso firme, ânsia de viver. Não quero jogos, não quero beber, quero estar acampada no anfiteatro de um copo de vinho tinto e estrelas, as estrelas que eu nunca mais parei para ver. Respirar intoxicada, olhar para o lado, olhar em frente, e ter sem realmente precisar de nada. Não quero abrir pré-inscrições para a fatalidade de estar viva, para a vulgaridade de andar na rua, para a depressão do tempo. Quero encontrar um amor que me faça escrever sobre amor. Não quero estar, quero ser amor. Quero um amor que me faça escrever sobre amar. E não quero escrever, não quero cartas de despedidas, só não quero isto, só não quero este amor, quero outro, um que me faça parar de escrever como é a minha vontade de não ser escritora. Quero. Quero outra vez. Só não quero atravessar a estrada.
'(...) quero estar acampada no anfiteatro de um copo de vinho tinto e estrelas': que imagem tão bonita! :)
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