- Bem, se calhar, agora percebo que a capacidade estava aqui e
nunca me terei apenas lembrado de a focar em direcção a mim mesma, ao meu
corpo. Não acredito que seja tão possível para alguém imaginar o toque como eu
imagino desde que o perdi. A maioria das pessoas que se sente perdida descreve
um vazio dentro do peito, eu própria já o pude sentir. Mas o vazio que sinto
agora é estranho, é outro corpo, é novo, é ausente da minha capacidade de recolha
e de introspecção. É como se eu mesma me tivesse movido para me sentar ao
lado de mim mesma. É o vazio em forma de recordação ou de conhecimento se
estiver atenta ao facto de que tudo o que alguém conhece é nada mais, nada
menos, que uma conjugação de memórias e relação de factos, ou seja, recordações.
Quase que me apercebi agora que não passamos de uma memória repetente do
universo, como se as estrelas se tivessem apaixonado e do nascimento do mundo
tivessem perdido o amor da sua vida e nós por consequência o amor a vida,
condenados a morrer. Assusta-me o facto de não ser realmente merecedora de nada
que valha a pena, pois até a materialidade me lembra da dor dos outros.
- Fazes de tudo um poema...
- Por falar em poemas, achas que minha máquina de escrever já escreveu cartas de
amor? É o peso das palavras. Porque é que ninguém percebe o peso das palavras?
Porque é que ninguém assume a responsabilidade de entender? Como é que ninguém
percebe a simplicidade da comunicação. Se eu tocar no material achas que alguma sobra de sentimento me sopra na alma, nas partículas que sobraram das estrelas que já fomos? Como se eu pudesse sentir amor só porque ele existe?
- Tu não me ouves mais do que cinco minutos e falas de
comunicação assim com essa certeza? Não sei se podes tocar o amor. Nem sei se sabemos amar.
- É exactamente isso! Desde quando é que temos medo de
juntar todas as partículas que as estrelas separaram? Como se o amor que vimos
falhar nos roubasse a esperança, como é que não vemos todas as outras formas de
comunicar? Confesso que nunca tive disponibilidade para histórias de café e
prova do meu afastamento mental à minha pessoa é que me deixei levar por elas.
Nunca estaria aqui a conversar contigo.
- Conheces a história da torre de Babel?
- Conheço... Não é tudo um poema afinal? É talvez o pior
castigo que o mundo já ouviu falar e se reparares bem é exactamente da torre
que nunca construíram, lá de cima, que vemos tudo agora. Afastados.
- Mas se não há torre...
- Por isso é que eu sinto que me sentei ao lado de mim
mesma.
- Raquel, reparei agora que nunca te ouvi pedir um café curto.
Sem comentários:
Enviar um comentário