"Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma tranquilidade lúcida
Do entendimento retrospectivo…
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente; eis tudo. (...)"
- Álvaro de Campos
Quando é que às tantas te apercebes da pequenez da tua vida, dos outros, do quanto não conheces deitada numa cama. Do quanto deixaste por ver porque tudo aquilo que assiste e que te assiste é feito uma fantasia na tua cabeça. É preciso que te toquem, foi preciso que te tocassem com afinco e fogo para te deparares com as circunstâncias da tua apatia. Estás viva, à custa de beijos que não pediste, estás viva e não tens o que viver. Nem sabes como o fazer. Assusta-te esta mera possibilidade de cegueira de não ter percebido o quanto perdes tempo à procura de uns "concordo" para o teu discurso, apaixonada por um erro de feito de demagogias e falta de coragem que sempre odiaste. Mas também estás parada. Olhas o calor que vem do outro lado da cama e não sabes se é aí que queres estar, de corpo corrompido, mas vivo, sentir a sentir-te. Faltam os lados da alma que ninguém te consegue tocar. Falta que te falem sem pedires, que ouças sem que não haja nada para ser ouvido. Já te passou a tristeza, já te passou a revolta, finalmente a apatia. A calma. A serenidade de te estares a perder. O teu fogo tem nome, a tua saudade tem cara, a tua pontada no peito ao sabor de um relógio que não sabes qual é tem uma figura. Odeias dar nomes as coisas, que se estragam, que se definem, que se estagnam, dizes tu neles. Mas há nome para o teu estado, o teu respirar mais pesado, a tua falta de apetite, as tuas insónias, a tua ausência de sonhos. Como é que fizeste isso? Como é que ao final de tanto que já sonhaste e voltaste a sonhar, deixaste de sonhar tão nova? Ou talvez tão velha, tão cansada, tão farta, tão estranha. Estás estranha até para ti mesma. Só queres porque queres fugir, ir embora, não voltar, mandar foder todos, morrer. Estás doente e sabes. Estás doente e não te curas. Estás doente e não falas. Estás doente do lado colorido do coração, da parte bonita da vida, estás incapacitada para usar o amor. Estás cega às ilusões, aos sonhos, as possibilidades. Sentes-te roubada. Ameaçada. Não sei como te sentes e não sei como te sentir na verdade. Gostava de te conseguir tocar, mostrar, transformar. Gostava que esta fosse uma vida e não um estado de coisas e de caos. Fala, faz, qualquer coisa, por favor.
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