Vamos


O ar quente que sai da minha boca por entre conversas aleatórias e a tua bebida favorita que aprendi a tolerar, e as unhas pintadas de azul, num coração gelado que faz viagens à Índia quando anda de comboio, e a janela aberta num dia de Inverno em que toda a gente se fecha em casa. E o tempo perdido. Seria assim tão estranho se eu desaparecesse? Estou farta destas letras todas que não expressam a transposição da minha alma. Perdi o passo acelerado e ganhei o vício de escrever com as mãos mais juntas por ser contrariamente mais rápido. Algures dentro de mim formato o texto para dois pensamentos e não tenho coragem de admitir que são vários. A passo de reabilitação volto a ler o que escrevi e percebo o estado de inebriação que se apodera da minha mente sempre que o faço. Cheguei à conclusão que não me lembro de metade da crueldade que coloquei nas palavras e nos sentimentos. Friamente, sempre friamente. Nas conversas aleatórias encontro-me perdida a ouvir e reformulo pensamentos para voltar sempre ao mesmo porque na verdade não ouvi nada. Num estado de carência pela liberdade é como talvez me encontre. E de querer impossíveis. Acho que preciso de inspiração como se não me coubesse dor suficiente no peito e não cabe. Tenho o número registado no telemóvel à espera de coragem também. Ligar e dizer que quero representar outra vez. Preciso de histórias para contar como se perdesse em não ser interessante o suficiente para mim e não sou. Estou enteada até aos ossos e por fora estou a viver a cem mil passos momentâneos e paralelos que mostram cores que não existem em mim, mas gosto, como de um costume louco, eu gosto. É possível que me perca em todas as pessoas que conheço? E que ganhei um vício de conhecer? Como se coleccionasse vítimas que não mato para aprender como me matar a todos os segundos um pouco. E sou criativa, sempre o faço de maneira diferente. Alguma vez perdeste a capacidade de lutar? Alguma vez perdeste a capacidade de querer? Como se o facto de o fazeres não te desse alento suficiente como imaginar o teu corpo em acção. Vivo de noite há demasiado tempo e por obra deste milagre já consigo ver tão bem que não me dispenso ao julgamento interior, mental, profundo, dos outros e de mim. Dos outros. Não dá para pedir desculpa pela frieza já que eu própria o faço comigo todos os dias e não consigo ter perdão de volta do eco. Sinto saudades e não sei do que sinto saudades, sinto-me injusta comigo e com a minha vida. O que estou aqui a fazer mesmo? Pronta para sair de casa mais uma vez porque saiu e porque posso sair. Estupidez minha, estou a mentir. Como se me pudesses ouvir e dizer-me as mil coisas que sou eu que tenho para dizer a par de todas aquelas que apaguei. Tenho um desgosto neste coração mas arranjo outro e se preciso for vivo com muitos. É de todo possível que em busca do que não tenho perca aquilo que me faz feliz, se eu não fosse fútil e leviana. É impressionante como não me consigo parar e como realmente não estou a avançar para os caminhos que me fazem sonhar. Preciso só de sair daqui, este lugar dá-me tantas saudades que eu não sei se fiquei no passado ou se simplesmente já tudo é tão repetido que eu não tenho pensamento para ter. Está a acabar prometo, eu não acredito nisto nem no amor nem em nada. Nem em mim, muito raramente o faço mas nem em mim, com a intensidade esporádica de uma catástrofe. Estou partida de mim. Estou longe, demasiado longe. E vamos fugir, Raquel?
"This is why I hate time"

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