Há tantas histórias que queria contar que me perdi. Só sonho, só me perco, só me procuro e nunca encontro. Quando acho que algo tem finalmente interesse, motivação, capacidade aos meus olhos, fico cega. Cega de mim, por mim. Sempre dentro de mim tudo o que acontece à minha volta. Algumas coisas perdem o sentido por elas, eu faço sempre com que percam o sentido para mim. Como se nada realmente existisse ou nunca tenha existido, tudo me passa em filmes, em livros, em histórias mais uma vez. Já escrevi sobre esta merda umas mil vezes. Daqui a vinte anos vou escrever sobre isto. Há pessoas que são assim, creio, vou acreditar, como eu, que já nascem tão cheias da vida. Mas eu adoro viver, estupidamente, só não gosto da vossa definição do que tenho de fazer para o conseguir. Tenho o medo ou talvez a esperança de que nunca tenha nada que me recrie para além de mim mesma. Esgoto-me no mundo que há dentro de mim, percebo as coisas a uma velocidade tão absurda que me julgo à frente do meu tempo mas a verdade, a verdade que nem tem lugar, é que não tenho tempo. Não tenho tempo para ir embora, não tenho tempo para falar o que penso, não tenho tempo para viver o que quero viver e por isso invento sempre maneiras diferentes de me afastar, de pensar o que não sou, de viver o que acho que quero. Eu não sei o que quero. E sei. Tenho tudo na minha cabeça, guardado em gavetas que não tenho coragem de abrir. São os meus pensamentos de fundo, sempre em paralelo aos assuntos de discussão, aos assuntos que agora se fala, aos assuntos vazios das conversas de circunstância, a tudo o que digo, faço e ainda penso mais. São a minha companhia antes de ir dormir, desenhados a frustação e despedidos a receio. São a minha força de manhã, sem forma, sem cor, sem definição. São as coisas que não digo a cada um que está na minha vida, parecidos com segredos mas mais graves que isso. São as palavras que moldam as que digo, sempre com sinceridade, sempre em tom de mentira aqui dentro. Aqui dentro todas as coisas são antónimas das coisas que me vêem. Estou a dilacerar-me assim acho, no entanto como é que ainda consigo enganar-me e enganar alguém. É a parte que chego à revolta. Porque é que ninguém me diz para parar? Como é que me alimentam ainda mais estes sonhos sempre em roda? Como é que não há ninguém - e já houve, só para me castigar ainda mais - que me diga os erros, a infelicidade, a tragédia, a dor da minha vida, porque eu nunca sei delas, a par das minhas vontades, das minhas capacidades. Já sei, eu outra vez. Eu outra vez a falar comigo mesma, deitada no chão do quarto, a falar para paredes vermelhas e pretas em voz alta. A dar murros na parede, a atirar-me para o chão, a imaginar mil formas de ser hoje uma coisa e amanhã outra e nunca em ciclo mas sempre a voltar ao mesmo. Já sei que devo parar. Que todas as respostas estão dentro de mim e nos sucessos que se foram desenhando em diplomas pela casa, em fotografias pelo computador, em mensagem com carinho. Eu não sei o que é uma resposta, odeio saber a verdade, e no fundo eu só queria que alguém tivesse a coragem para me fazer a questão pertinente, porque eu, eu já estou cansada de questionar o que ando eu a fazer a minha vida. Porque a verdade, a que eu detesto, é que não é nada. Quando se calhar estou só a ser estúpida porque mais ninguém vê as coisas assim. Ou eu não consigo ou eu não sei ou estou só a inventar mais uma vez uma maneira de ficar louca. Adoro a minha companhia, afinal, sempre que me lembro que não tenho interesse nenhum por aquilo que acham que devo ser, fazer, sentir, viver. E não tenho, às vezes por capricho próprio só gostava de saber como era ser como toda a gente e não me achar como toda a gente, mas não consigo, estou ocupada demais comigo e com as exigências que fiz a mim mesma, um dia. Quero só que saibam que não quero saber se não gostam de mim, se não gostam das minhas horas e se não me acham capaz de ter o que eu quero. Eu sempre achei que antes de vos enfrentar, tinha que desafiar, agredir, e confrontar o que sou e é isso que me está a preocupar agora.
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