Double Mind Chief


A apatia dos meus dedos para escrever é quase a mesma que me leva a olhar pela noite do outro lado da janela do comboio e imaginar um movimento que não existe, provado pela falta de passagem das coisas que constroem cidades lá fora. Dói-me o peito até à alma com quem eu discuto. Odeio o tempo e é por isto que eu o odeio. Falta-me a segurança para poder dizer que não voltava atrás, mas claramente eu voltaria. Nunca teria saído de casa, nunca teria vivido em primeiro lugar. Farta deste calor que me queima as pernas e me impede de fugir, tenho saudades de quando sentia vento dentro de mim, uma caverna oca de sentimentos, um coração gelado. Não sei respirar em queda, não sei sentir para lá de mim, não sei tocar em ninguém. Enquanto todos procuram felicidade, eu procuro paz num barulho que me cale os pensamentos, que me leve a vulgaridade das coisas, que me afaste a vontade, os sonhos, as utopias que dilaceram a realidade em pedaços que nunca consigo apanhar e juntar. Nas vozes que me assombram a cabeça eu escuto as vozes das músicas que me lembram da minha fragilidade. Evito sentir raiva mas é raiva que eu conheço de perto para sentir. Vou ter saudades. Já tenho saudades de mim mesma até. Desde o início. É confuso perceber que não tenho percepção. Que por mais clara que possa ser nunca o serei suficiente, numa arrogância que não é minha e com a qual não sei lidar, personifico o mal de fazer tudo mal, esperando que tudo se resolva. Às vezes sinto que simplesmente coloquei a mão no meu pescoço e eu apertei, que me coloquei numa caixa e em mil malas que já fiz e viajei para longe de mim mesma, que fiquei perdida em não saber amar achando ter todo o amor do mundo para dar. Tenho diálogos sobre tudo com o nada que está a minha frente e se apresenta com a mesma voz que eu na minha cabeça, lá eu sou duas, confrontadas, em olhar directo uma para a outra, dizendo claramente que não é amor, é ódio o que sentem uma pela outra, que não suportam a maneira como uma parece sempre antecipar os passos da outra, na minha cabeça sou tão divida que vivo em constante administração de duas personalidades, dos seres que são independentes e no entanto não percebem que não vivem sem dar um passo à sombra do outro, trocando e invertendo papéis consoante lhes apetece viver um dia ou dois. Hoje saiu eu, amanhã sais tu. Tenho dias em que elas se separam de mim e me vêem como deus, tenho dias em que as obrigo a falar e me vêem como o diabo. E podiam ser dois seres fáceis mas nenhum aceita realmente o que o outro tem para dizer. Preciso de me colocar em discurso directo também para mim e não consigo. Os dias atropelam-se à minha frente e eu perco-me nas horas entre viver e sonhar, entre sonhar e desistir, entre sonhar e sonhar. Não sei que faça senão sonhar e colocam-me em perigo quando me obrigam a ter acção, antecipação, em praticar os pensamentos, sonhos, sentimentos, sensações, porque para mim são todos os mesmos e não os consigo apresentar como diferentes. Talvez porque já tenho tanta dúvida e duelo para lidar dentro dos meus olhos, tal por isso, talvez apenas, eu não consiga deixar de achar que tudo se vai repetir e eu não sei repetir-me, para mim tudo são versões diferentes porque todos os dias o sinto diferente e por muito que esta história te pareça a mesma de sempre, que já me ouviste falar e já me viste escrever, acredita que não é. Pela primeira vez, nenhuma das que eu sou sabe o que é. Ficava aqui mas tenho que ir. Falava já mas tenho que fazer o amanhã. Gostava mas não sei gostar, não nasci ensinada. Se eu morrer amanhã, isto não tem importância, mas então estar viva podia ser mais fácil e eu todos os dias nasço. Se tu não tivesses aparecido eu não tinha que morrer todos os dias para o fazer. Uma das que sou quer falar contigo mas estão todas desejosas de nunca o fazer. Diz-me onde paro de perguntar e digo-lhes para parar de falar. Porque eu gosto tanto de ti mas elas odeiam-te, eu gosto tanto de ti mas odeio os teus deuses, as minhas são isto que eu não sei explicar. Não sei onde é que aprendi a odiar mas se algum dia souberes como é que se pode ser ao contrário, diz-me. Diz-me onde deixo de parar. Estou à procura de uma ponta de realidade e não consigo. 

5 comentários:

  1. As lágrimas caíram-me ao ler-te. Eu suspirei no final e tenho o peito pesado. Já tinha antes, continua agora, da mesma maneira.
    Mas eu senti. Senti a tua dor, senti a tua confusão, senti-te. Ou melhor, acho que te senti. Porque, no fundo, é isso, eu acho que te senti. Contigo nunca tenho a certeza disso. Eu acho que te percebi mas percebo que não te apanhei. Trocaste-me as voltas como as trocas contigo. Estou a fazer-me entender ou estou a ser difícil de compreender? Já nem sinto que esteja a fazer sentido. Só te queria dizer que estou orgulhosa. Porque parece-me que te percebeste um bocadinho melhor, digamos 2%? Talvez seja melhor esqueceres tudo isto mas eu tinha que tentar demonstrar-te o que se passou em mim quando te li.

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  2. Duas pessoas dentro duma só. Uma delas habituada a estar por cima. E outra cansada, talvez, de estar à demasiado tempo por baixo quer reivindicar direitos em ti. E a primeira sente-se confusa, sem saber como isto está a acontecer, por se achar sempre a mais forte.

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  3. Eu sei, eu sei que fui o despoletar deste texto. E isso também me deixa orgulhosa.
    E sabes que eu estou aqui, que vou estar aqui, para quando precisares de uma conversa franca sobre o quanto não te percebes. E quando precisares de força; porque esta caminhada não vai ser fácil. Mas sabes que uma das partes mais difíceis já tu fizeste: começaste. E sabes o que é ainda melhor? Não te culpares. Essa é a parte melhor. Mantém-te assim! Escreve mais. Procura-te mais. Sê mais. Coloca essas duas partes de ti a conversar e faz com que se entendam em vez de se odiarem e discutirem.

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  4. Um belo, lindo poetizar em forma de um desabafo, trazendo em si toda uma trajetória de amor....
    Linda postagem

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  5. Talvez nem precises dessa normalidade que procuras. Talvez a tua normalidade seja essa confusão de sentimentos, essa tua força de sentir. Talvez não tenhas que te procurar mais: já te encontraste!

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