Ultrapassa-me


"E depois existem pessoas como tu em que uma pessoa se perde por tempo indefinido. Presa numa contemplação de algo superior."

Não. Eu desisto. Daquilo que eu considero transcendente. Daquilo que me afecta a alma. Não tenho uma. Porque me secou aquilo que me ultrapassa. Estes actos de transpor qualquer coisa não são meus. Estes desafios não são o meu jogo. O meu jogo nem pertence aqui. Não vou ficar porque aquilo que eu quero é pertencer. Não vou ter porque aquilo que eu quero não te pertence. Queria voltar atrás e não há voltas no mundo a não ser todas as que podemos dar. Eu não desisto. De ter uma alma. De um dia amar algo ou alguém. Mas não aqui, não agora. Não posso. Nem há maus caminhos ou destinos errados, é só que eu tenho medo. Dos gestos desmedidos. De te dizer o que já toda a gente te disse. De te mostrar o que não tem alguma coisa para ver. Não vejo nada. Nada. Só me vejo a mim. Entendes porque não tenho necessariamente algo que me possui. Algo que eu possua. Mas nem necessariamente nem para lá do que é palpável, não há nada que ultrapasse isto. Isto que não é isto. Isto que sou eu. Vejo-te pelo espelho. E não. Não vou ficar. Considero-me totalmente descrente de tudo e coloco-me de maneira aleatória na vida dos outros. Se fui ficando com alguém e se alguém ainda me tem na sua vida foi um golpe de sorte. "Sorte". Mas agora que ninguém sabe nada, agora que os meus segredos não são partilhados, neste momento em que ninguém me conhece, eu posso ir. E não tenho lugar para ir ou para ficar. Imagino-me em campo de guerra aberto e todos morrem à minha volta. Eu não fico de pé nem fujo. Eu não enfrento nem me derroto. Nem me mato nem deixo que me firam. Corro e fujo porque não quero morrer. Não posso ficar. Não há medo maior do que este. Não vou ficar. Há quem te possa contemplar por mim, dar-te batalhas melhores, eu sou só eu e eu não estou nem quero estar aqui. Não posso gostar. Tão simples e tão complicado como isso. 

1 comentário:

  1. Sinto sempre muito o que escreves. Parece que de uma forma ou de outra, sempre que te venho ler entro numa sala bonita e me sento sossegada e em silêncio em frente a um espelho. Releio-me e gosto sempre tanto.

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