Sem nada


Há no facto das coisas serem visíveis tanta invisibilidade. Imaginando o diafragma das coisas, quantos segredos cabem nas pessoas. Se todas as coisas dependem de uma ou outra perspectiva, poderá nunca haver verdade. Ou serão muitas? Não sei em que ponto é que deixas de acreditar em ti e não sei em que linha passas a acreditar nos outros com uma fé absurda. Quando o equilíbrio passa pela perda de graça, pela conformação, não sei também em que ponto a tua verdade alinha na de outra pessoa. Somos todos um bocado mentirosos ou verdadeiros demais, e vendemos o nosso ponto de vista. Os nossos pormenores são tão mais elaborados quanto maior for a vontade. Sempre achei que a vontade fazia as melhores pessoas, piores certamente à vista dos outros, e preciso de ter um tremendo cuidado quando vejo pessoas de vontade desmedida, a loucura sempre me apaixonou demais. Ou então a medida em todas as partes que o mundo pode ter. Se algum dia eu olhasse para alguém e me visse a mim, eu ficaria. É delicioso perceberes os mundos que não são os teus e gostares das mais particulares pessoas, mas se eu gostasse de alguém que visse o mundo nas singularidades todas que eu vejo, eu poderia ficar. Só que eu não quero ficar. Imagina que sempre que pegas na tua caneca favorita para tomar o pequeno-almoço, nunca sabes o material de que é feita e quando dás um beijo à tua mãe de boa viagem, sabe-te sempre como se fosses embora, sem regresso. Pensa que os lençóis sujos não te incomodam, o teu sono sabe-te sempre a refugio, e quando acordas não te importas das horas porque achas que estás cheio de tempo para viver. E se agora o tempo não te chegar? E se a tua cama e as tuas canecas já não forem tuas e a tua mãe olha para ti como se fosses tanto dela que vês dor sempre que ela te olha? E se as coisas não são tuas e se o tempo não te chega e se não queres ter mãe? E se só queres algo novo? E se não queres nada? Há tanta coisa invisível. Imagina as pessoas como se elas tivessem fora do teu alcance, noutra sintonia. Imagina um mundo paralelo e em quantos mundos paralelos querias estar sozinho? Em quantos mundos não tens mundo e quantos mundos cabem em ti? Sabes que aquilo que guardamos não é visível aos outros e quando tentamos mostrar alguma coisa todos os dados subentendidos aparecem, não sabes? Os meus meios que não mostro cruzam nas alternativas de verdade de toda a gente e as minhas invisibilidades tornam-se cada vez mais maiores. Não sei como é que os outros podem aceitar que eu goste de ver o que não existe ou que perceba que existe mais do que aquilo que se mostra. A minha sensibilidade crua, a minha análise exagerada, a minha falta de compaixão na falta de realidade dos outros interfere na minha falta de sentir. Eu gostava de ver e sentir. Em simultâneo, e não dissecar comportamentos, nem sentidos, nem razões, só porque sei que não existem razões singulares mas não consigo não me contradizer. Não sei vários pontos e não sei em que ponto é que eu comecei a ver bem demais, porque é quando começas a ver as coisas, a perceber as pessoas, a tornar visível o mundo que tu queres, que corres o risco de te tornar invisível e eu não sei se quero perceber ou ser percebida. Se houverem mil verdades, eu não sinto encaixar-me em nenhuma. E é isso que me incomoda, está tudo a tornar-se visível demais para mim. Já nada nem ninguém me apaixona. Ou tudo, não sei. E não me chega. Chega-te?

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