Tudo o que não te dei


Conheci-te no meu sofá, apaixonei-me por ti deitada a olhar para o tecto. Sufoquei da primeira vez que percebi que te amava e sufoquei da última vez que o senti. Não porque eu achasse que aquilo que eu sentia, acabou, mas porque eu não acredito em caminhos sem volta e becos sem saída e foi nisso que todos os dias, a cada passo teu, eu vi na tua direcção e nunca consegui afastar-te. Estava gente em casa e lembro-me de me abraçar e arranhar enquanto gritava e pensava que todos, possivelmente todos, me pareciam capazes de magoar, menos tu. Mas o teu nome ecoava na minha cabeça e mesmo antes de eu nunca mais o querer soletrar, já me doía com perguntas. Não fui apanhada de surpresa. Nunca fui. Disseram-me para confiar. Disseram-me que valia a pena. Eu sempre achei que valia a pena era estar no meu canto a viver da mesma maneira o amor como sempre tinha vivido, com mente. Quando finalmente deixei de te querer ao meu lado, choveu lá fora. E por último, com sentimento de missão cumprida, pude ouvir que nunca me chamaram a razão porque eu era dona de mim. Disseram-me que eu sempre fiz e continuava a fazer o que me apetecia, e que mais que isso não era o que eu achava que queria, era o que eu sabia e tinha a certeza que tinha de fazer. Mas que eu não sabia sentir porque me impedia a sofrer, me culpava de tudo e achava que por ser tão segura de mim que tinha de ser segura de tudo. Mas há coisas que não se podem prever não é? Mesmo que eu confiasse nos meus instintos, ainda ter calma e saber esperar era o que me faltava e quando me perguntaram quanto a isso, eu não pude hesitar dizer que estava feliz. Mas quando te conheci e mesmo durante todo o tempo que pude estar ao teu lado, eu nunca imaginei que era esse momento que me iria mudar. Dizem, e eu concordo, que o amor tem várias formas e eu acredito que uma delas, das poucas que me tocam, porque se há coisa que deviam saber sobre mim é que o amor é me tão claro na cabeça que eu não me iludo com o leio, umas delas, certamente, está naquele amor que te vira do avesso. Está naquele amor que te dá mais quando não o tens, naquele amor que te revoluciona, que te muda, que te faz pensar. Sim, todos os amores fazem pensar. Mas se for grande o suficiente, se toda a verdade, ainda que pouca, tu puderes conhecer, saberás que depois dele só podes deixar de ser o que eras. E tu nunca ficas mais pequeno, nunca ficas pior, nunca perdes. Acho que se há coisa que nunca me impedi de te dizer era que me davas paz. E calma. E se aprendi a viver sem o mínimo arrependimento e com o maior perdão de mundo. Se aprendi que a esperança às vezes também é veneno. Se aprendi que tudo tem uma razão, que o tempo pode nem sempre acertar na hora de conhecer as pessoas, mas que ele acerta sempre na hora de ensinar, foi tudo o que tu me ensinaste. Por isso, quando achares o contrário, quando achares que eu possa estar infeliz, não penses nisso. No dia em que deixei de ser capaz de te amar, foi porque achei que a tua felicidade e a minha nunca ia passar por ficarmos juntos. Não agora e talvez nunca em mil anos. Mas são mil anos em que me vou lembrar de ti e algures eu vou querer que tenhas tantas certezas como eu e que te possam dizer a ti, como me disseram, que melhor do que eu saber o que quero é que eu consigo sempre o que eu quero. Ainda que devas perceber que se o meu desejo é ficar contigo, um dia, também tens que saber o que maior desejo ainda é ser feliz. E se tu o puderes ser, ainda que me custe não o poder ver, porque tu sabes e eu sei que mais dia menos dia eu deixo de te ver, de te escrever, de querer saber, espero que saibas que se há outra coisa que eu aprendi contigo é que quando tu amas alguém, um pedaço da tua alma vai com ela e com ela, seja em que lugar do mundo for, tu podes saber que tudo faz sentido. Eu fui embora há muito tempo, e quando dizes, que eu sei que dizes, que sabes que eu gostava de ti mas que escolhi não o querer fazer, escolhi confiar noutra pessoa, espero que saibas que a pessoa em que eu escolhi confiar foi em mim mesma e naquela sensação de que tu eras certo mas que aquela não era altura para nem eu nem tu o perceber. Eu gostava de te poder explicar que é difícil conviver comigo mesma e saber que tudo o que sinto é uma opção, acho que me acharias sem coração. A verdade é que em todas as opções eu deposito tudo o que há em mim.

3 comentários:

  1. Tu escreves tão bem, Raquel. Tão bem que às vezes consegues mesmo fazer com que doa, com que se sinta.
    Tens uma escrita puramente intensa, ainda que serena. É um mimo ler-te. Um mimo bom, que aquece o coração, mesmo que nem sempre seja bonita a "história" que contas.
    Fazes valer a pena cada visita a este blog.

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  2. «Dizem, e eu concordo, que o amor tem várias formas e eu acredito que uma delas, das poucas que me tocam, porque se há coisa que deviam saber sobre mim é que o amor é me tão claro na cabeça que eu não me iludo com o leio, umas delas, certamente, está naquele amor que te vira do avesso. Está naquele amor que te dá mais quando não o tens, naquele amor que te revoluciona, que te muda, que te faz pensar.» é este tipo de amor que vale a pena.

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  3. Gostei bastante do que aqui escreves-te.
    r: Posso responder-te da mesma forma.

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