Razão


A constância que sempre me assustou, um dia, tinha que fazer falta. Aceito que não possa viver para sempre a mudar e confesso que já fui mais tolerante a mudanças e a toda esta vontade de viver já foi mais minha. Comovo-me por entender que sou mais humana e não suporto viver sobre a sombra do que poderia ter tido se não quisesse o mundo inteiro. Sonhar já foi mais do que eu costumava fazer e toda essa realidade que acham crueldade, eu tenho o privilégio de poder ver claramente. Quando tudo se finalmente for é só isso que me vai sobrar, poder ver as coisas com clareza para poder saber que há mais sonhos no mundo para além destes que eu dizia que eram meus. Mas respiro fundo, afinal não seria verdadeiramente eu se não achasse que podia mudar tudo a meu favor. E de entre as coisas que vou perdendo, não seriam minhas, se eu não achasse que deixa-las ir é o melhor que faço. Não me posso dividir mais e se formos com aquilo que nos pertence, concluímos que afinal perdemos a liberdade e com a falta dela ganhamos algo que não é querer. E se ao fim de tudo, não podes possuir o que queres, resta-te viver com a certeza de que se nada é teu, tudo o pode ser. De entre as coisas que me perguntam, com clareza, eu sei responder que não poderia estar de outra forma quando eu acho que tudo, mas exactamente tudo, tem uma razão. Seria um desperdício se não tivesse. Questiono-me se não serei eu que estou a tentar encontrar explicação para casos aleatórios, mas se tudo acabar por ser ao acaso então que sentido nos resta. E não, as minhas acções, cada uma delas não são por acaso. Em tudo o que faço, eu sei o que faço e em tudo o quero, eu sei exactamente aquilo que não desejo. Não era a primeira vez que me chamavam calculista e embora tenha essa frieza não deixo de perceber que tudo tem sim uma razão. É essa razão que te faz levantar de manhã, é essa razão que te faz ultrapassar as tuas desilusões, é essa razão que te faz outra e uma e mais outra vez repetir tudo isso. Enfim, porque é que andamos todos na vida uns dos outros, porque é que conheces tal pessoa, porque é que de repente já nada faz sentido, só tem uma razão: tu e só a tua pessoa. E que se todos percebermos que no mundo tudo vem e tudo vai para que nada falte em nós, mesmo que algo nos pareça fazer falta, percebemos então que não estamos sozinhos. E sim eu poderia estar a caminhar para essa lógica, mas não, se a constância sempre me assustou é porque eu sei que na mudança te afastas dos outros para te encontrares, mas se entenderes que finalmente tudo terá um fim que é tu seres melhor amanhã, então cada um de nós pode encontrar-se nos outros. E é por isso que eu fujo. E outras vezes fico em paz. E é só porque às vezes me apetece estar aqui e outras vezes me apetece não ser de lado nenhum. Porque não gosto de sentir falta. Não gosto mesmo. Especialmente do que não tive. Porque ainda que a razão exista em tudo, nunca nos esqueçamos que razão quer dizer divisão. 

1 comentário:

  1. Fiquei vidrada neste teu texto desde a primeira linha que li. Adorei.

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