Labirinto


"Porque é quando te calas que eu penso..." | A anestesia do quotidiano mascarada de tons mais cor-de-rosa que o habitual ao final do dia e incandescência ainda suportável nas horas de esperar, que não me deixa nem chorar nem escrever, nem sonhar nem querer. O cansaço de andar e ainda que o passo seja sempre em frente, está cansado. Estou cansada. Quero dormir dormindo. Sem sede de acordar melhor, não estou melhor, só pareço mais enquadrada. Estou triste, sem tempo para estar triste. E sinto saudade sem corpo para sentir falta e lágrimas que seco ao pensar em chorar. Quem escreve não pode viver esta normalidade, mediocridade diária sistematizada. Não sou obra nem arte, não sou nem tenho tema, nem mágoa, nem raiva, nem nada para lá de aceitação. E por isso sou pintada, mas não sou arte. Claro que falo momentaneamente, aliás como deverás é unicamente permitido, mas não posso aceitar esta moldura. Estupidez. Estupidez. A desistente que nunca realmente desiste de nada. No peso não da fotografia, mas do papel que envelhece e apodrece, e que se toca mas não se sente porque o tempo é relativo mas não volta atrás. Esta calmaria estúpida. A anestesia esporádica da lembrança de ti, do café com os amigos, dos copos de vinho cheios de conclusões, do pecado que encontro ao lado do perigo, dos riscos que não corro, na paixão que não tenho, na gana que me falta, no foder aleatório, na ausência de perfume, nos gritos vazios, no calar porque andar, andar e andar. A anestesia intrínseca da ambição desmedida, no fugir, no não querer, no abandonar, no adeus. Esta iminência sanguínea de refúgio. - Puta que vos pariu a todos! A falta de coragem, mas puta que vos pariu a todos. A paz, a passividade, a calma, a bonança, o céu azul, o que brilha, o que sorri, o que está bom, o que aconteceu como planeado, o que era desejado, tudo isso é para queimar! A vidinha, a merda da vidinha. A falta de paisagens, a falta de amor, a falta de rebeldia, fazem-me falta. Não quero ter sono, não quero estar comprimida a mim mesma, tenho ansiedade de viver. Lentamente a escassear sonhos, mas é fazer-me o favor de me manter acordada. | "... porque é que não és feito de silêncio". 

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