Mole dura


Escrevo deitada já sem a vista que me fez perder de vista do alto da torre que sou, faço quilómetros para te esquecer e todos eles me pesam. Pesam-me como uma entidade castigadora, e a cada pecado que cometo pesas-me mais. A cada toque que não o teu sinto o estômago mais colado aos ossos que nem tenho, os olhos mais cegos, o coração mais ansioso. Estou ansiosa porque sou estúpida. E escrevo deitada porque tenho frio. Tenho frio nas mãos à medida que desço a rua para te deixar, à medida que não sei o que faço em precipitação de já o estar a fazer. És um arrependimento sem causa, como eu sou rebelde porque tenho de o ser. Não me protejo muito afinal de contas, no meio e perdida em mim mesma, apercebo-me que não posso mudar os contornos das circunstâncias que me evito a escolher. Tenho sede, um vazio no peito e muita sede. E este outro que não és tu. A cada respiração desse nas minhas costas, a cada vez que engulo o veneno da minha saliva, tenho a boca seca de mágoa e água. Beija-me as mãos e quero dizer que não agradeço a fragilidade, não me limpa de todas as vezes que não é o que eu quero tocar. Porque eu queria tocar-me, mover-me, emocionar-me, transformar toda a lembrança em momentos inconvenientes, em ser comigo e não ser o peito onde deito a cabeça a dormir. Porque eu nem durmo muito bem e sobra-me pouco para te falar depois. Fumo por isso o cigarro e fico com a vista que me fez perder a vista e o propósito a bater-me na mais profunda tristeza que já não sabia sentir. Tenho dores no corpo pela maneira como me faz perder a consciência, numa mistura de processos mentais que me fazem sentir a dor de perto, tão de perto que me finjo a tornar tudo isto real, real demais para o que desejo escrever. Fode-me muito mais que a cabeça, e eu tenho de parar decididamente de foder a minha vida. Ainda que seja mole, sou sempre sempre dura porque não sei sentir. Não sou romântica, o amor para mim é sempre de pele e osso, mas por isso acho que desistir dele ou viver nele pode ser como outra doença ou cura qualquer - com tudo o que isso implica. Estou doente e na verdade nunca estive doente de amar até... agora. 

1 comentário:

  1. Amar não precisa ser uma doença. Pode ser, no mais belo dos casos, uma cura!

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