Quase quatro


Há um esgotamento na minha vida. Faltam-me palavras, actos, tudo o que demais demonstre movimento. Há uma vontade de estar morta. Seria tão mais fácil. Eu continuo sem saber onde foi que me perdi. Há tanto tempo que não me dedico a nada ou a alguém que acho que perdi a capacidade de amar, se é que alguma vez a tive. Estou sozinha e gozo da minha solidão com uma vontade extraordinária. Eu não quero nada que esteja aqui, só que eu não quero perder o pouco que tenho. Tenho uma disposição momentânea para fazer algo e logo me passa. Tento aproveitar cada segundo de cada pessoa como se me fossem escapar pelos dedos e agora que realmente posso contar por estes aqueles que me fazem ficar, só tenho vontade de ir. Não me sinto bem em porra de lugar nenhum. Nem na minha casa, na minha cidade, em todos os locais onde podia estar agora realmente, sem sonhos ou aventuras, eu não quero estar. Não estou pronta para sair daqui no entanto nada me faria mais feliz. Já tentei recuperar o que perdi, construir tudo, fazer filmes, livros, histórias intermináveis disto e não consigo. Tudo me foge neste sítio e eu só sei fugir daqui. Sinto-me profundamente no caminho certo e tão perdida. Tão encontrada em conhecer-me e tão desencontrada no tempo. Dizem que a loucura pode ser só a vontade de nunca crescer e não me apetece realmente que o tempo passe. Eu não sei do que gosto, só sei que é fácil eu gostar do que eu quiser. Nada do que sinto é natural, mas a escolha não é minha. Se a escolha fosse minha, eu saberia o que fazer. Junto um mais um e estou apaixonada. Quantas vezes já não estive e quantas dessas vezes concluí que sou incapaz de levar seja o que for comigo a não ser um arrependimento sem medida por ter começado seja o que for à partida. Estou tão farta de sonhar, tão cansada de pensar, tão esgotada de estar acordada. Tenho pesadelos constantes dos males que me restam na memória. Quando foi que eu me tornei na personificação do mal, é outra coisa que eu não sei. Não tenho limites e tudo entra em velocidade de queda quando se trata dos outros. É sempre uma constante extravagância, uma determinada euforia que me chama e me assusta. Talvez esteja mal rodeada e talvez tenha esta disposição natural para me castrar de capacidades ou talvez eu não queira só fazer tudo correcto, e muito provavelmente é esta minha tendência natural para o caos e para a desordem que me leva a fazer o que eu quero. Vivo num profundo engano quando me considero estável, a minha inteligência mata-me sempre a alegria, tenho um nojo tão entranhado pelos meus pensamentos, tanto que penso momentaneamente enquanto falo. Se me perguntarem, duas vezes, eu não sei, mas sou tão boa a construir frases que não interessa o conteúdo do que digo. Nunca interessou. Interessa a transformação provocada nos outros e interessa que eu não perca a fé de que mais dia menos dia algo me aconteça, alguém me alcance e eu aprenda a sentir e a viver. Precisava de aprender algumas coisas sobre vergonha, sobre sinceridade, sobre falar para os outros o que realmente sou, precisava de sair deste lugar cheio de máscaras. Mas não consigo. Há um alheamento dos outros que me traz paz e uma paz que se perde por perder os outros. Uma paixão por todos e por um em particular que me rouba a alegria e me traz revolução, porque no fim estar apaixonado é só a omnipresença do pensamento que me distrai de mim mesma. E quantas revoluções se passam afinal? Sinto-me estupidamente e maravilhosamente sozinha. Felizmente comigo, infelizmente a sós. Totalmente fora do que sou, totalmente consciente da minha natureza. Mas não seria possível falar desta, correndo o risco de ficar sem marionetas, sem dados, sem coisas que me adormeçam os sentidos. Este meu problema em estar viva será constante, sinto-me desde cedo perdida nas três dimensões que por enquanto são possíveis de realizar. Ou eu nunca deixei de ser criança e nunca perdi a birra perante a vida, ou sempre percebi os adultos e já não tem piada nenhuma andar aqui a saber. Procurei sempre a resistência do que me rodeia ao tempo enquanto me permitia a sair dos locais, enquanto provocasse saudade e memória, desgosto e raiva, estaria bem. Agora que percebi que o vazio, impossível de quantificar, é a maior eternidade de todas, sinto-me a acabar. Quero, antes de tudo isto, estar viva, porque é tudo uma apatia. Uma paixão desmedida sem medida para ter. 

2 comentários:

  1. "Estou sozinha e gozo da minha solidão com uma vontade extraordinária. Eu não quero nada que esteja aqui, só que eu não quero perder o pouco que tenho."

    Este texto está fantástico, parabéns :)

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  2. No tumulto que descreves há uma eloquência incontornável. De certa forma, provas com este testamento como a Beleza se encontra em vários lugares, inclusivamente na Melancolia ou no mais profundo dos Abismos.

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