Cento e cinquenta


A cada vez que inspiro sinto o ar travar na minha garganta e sinto um sabor azedo nas extremidades da língua, não sei a quê. E cerro os dentes enquanto viro os lábios para dentro entre eles. Tenho as olheiras mais negras e as pestanas carregadas de rímel que me esqueci de tirar. Dói-me o pescoço e todos os ossos, músculos e canais que me ajudam a sentir e a respirar. Tento endireitar as costas mas a cada inspiração aperto o peito tão forte que o olhar me falha e vai falhando mais. Pouso os óculos e tremo as mãos em tudo o que toco. Abro mais o nariz e continua difícil viver. Ou manter-me viva. Olhas para mim com o olhar mais admirado do mundo e calas-te a todas as verdades que eu acho que devo dizer-te. Rasgo-te porque não posso matar o que quero. E toca The XX algures e vês-me a chorar a primeira vez assim, serena. Não me consigo mexer e uma seguida da outra caem lágrimas gordas dos meus olhos. Pisco os olhos e sinto a cabeça inclinar-se para sempre. Sinto borboletas e elas estão intoxicadas de ódio. O frio da água que choro bate-me no coração quando sinto cada parte da minha cara fundir-se em tristeza. Devo estar uma tempestade. Devo ter um olhar vazio. Deves ver mais raiva do que sabes descrever quando continuo a falar do que me está a acontecer. Limpo as lágrimas. Tu perguntas-me onde fui buscar este ódio todo. E eu digo-te que talvez o diabo não tenha ventre mas para tua surpresa foi o amor que me meteu neste estado. E eu quero explicar, mas não me sai, que o amor me destruiu. Eu amava loucamente, se te dessem definições de mover montanhas, eu deveria ser metida lá no meio, metade do que eu sentia era metade do que ela sentia. Eu tornei-me um caos quando ela estava um caos e tornei-me sorrisos quando ela estava feliz. Eu não acredito em clichés, mas achava que tinha nascido e estava tudo certo em eu tê-la na minha vida, como se fosse tão natural como parece, e eu ia ama-la para sempre porque não havia tempo ou distância que nos separasse. E não havia. Eu partilhava tudo com ela. E quando nos encontrávamos ao fim-de-semana, eu achava que estava a ser desinteressante quando lhe contava as minhas banalidades mas ela dizia sempre alguma coisa e dizia-me sempre que eu devia manter a força. Existia protecção mesmo a quilómetros de distância. Até ao dia em que eu vi que tudo o que ela era virou do avesso e como eu seguia sempre as ondas, virei-me do avesso também. Virei este inferno. Duas mentiras. Ela não me amava e eu não era só amor. Talvez nunca tenha sido e com certeza agora amar não é comigo. Abri-lhe portas ao ódio e a cada merda que me faz, eu quero a vida dela a arder duas vezes mais. Conheces os cantos da minha hipocrisia e comporto-me como se fosse normal sorrir quando me roubaram o coração, mas tu nem tens conta do vulcão dentro de mim sempre que lhe viro as costas porque ainda não consegui fazê-lo de vez. É que ainda não chegou o dia de a foder. Porque ninguém me faz pior do que já sou e não se pede desculpa por nos tornarem em violência, mata-se ao invés. Mas tu não és ela e a ti eu desejo a maior sorte do mundo, se confiares que o meu coração sabe ser estas duas coisas. 

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