Abro a hipótese de questionar a natureza de mim mesma e tento combinar particularidades com a tua redondeza, com a tua abstracção, com a tua incapacidade deliberada para não ser concreto. Não és concreto. Não és físico. Não és tudo. Mas eu tenho esta tendência consumista, esfomeada, quase criminosa, de não ser nada. Haveria muito de amor em ser antónimo de ti, algo dramático, difícil, mas estamos tão igualmente perdidos que isto sempre fluiu naturalmente. Somos tão vagos que é imperativo que sejamos iguais. É uma exigência. Seja qual for a opção que tomemos. Não sei se é a nossa vida que o faz ou se mais uma vez deixamos que as nossas próprias escolhas nos enganem e eu tenha que engolir o meu veneno. Mas não é aceitável. Talvez noutra altura eu quisesse aturar as tuas merdas, talvez em outras conversas corridas eu tivesse aberta a palavras vazias e actos inexistentes, talvez, mas talvez esteja só cansada. Só e cansada, cabe tudo na mesma frase e, dou-te o mérito, encaixaste tudo perfeitamente em mim, porque eu abri a hipótese de mudar tudo em mim. Mudar os meus rumos, as minhas vontades, as minhas incapacidades, não em prol das tuas, mas porque achei que tu mesmo merecias melhor. Questiono a minha capacidade de raciocínio enquanto escrevo que me descobriste e obrigaste a sair de alguns esconderijos. A tua escuridão era um bom sítio para estar e talvez a cegueira tenha sido tão grande que eu suportasse a tua inércia. Mas filha da inércia dos meus sonhos sou eu e não aceito partilhar até isto contigo. Partilho tudo o que quiseres. As palavras, as faladas e as escritas, partilho o corpo, o sentido e o tocado, mas não partilho aquilo que não tem definição, porque até já me chegas assim sem sentido. Tu sem sentido. Os teus actos sem sentido. As tuas promessas vazias, as tuas palavras ocas, o buraco negro que és. Tu e a tua sombra contagiante a matar tudo por afogamento de si mesmo, e como se o universo de tivesse a reverter para dentro de si mesmo, tu inspiras. Até que respires. Até que respires.
Tive um amor filho da inércia. Olhava-o como o homem que é e amei-o apesar dos defeitos que a essa mãe lhe deixou. A longo prazo reconheci-nos irmãos quando me deixei entorpecer pelos altos e baixos das relações com falta de comunicação: afinal, também eu sou filha dessa inércia. Também eu me acomodo na falta de ser mais. Deixo que me mexam cá dentro e reorganizem vontades e prioridades. Quando olho para trás dói-me o não ter levantado a voz, o não ter falado mais cedo. Inércia não é mãe. É madrasta.
ResponderEliminarComo sempre gosto muito de te ler :) E neste texto em especial, senti muito. Fizeste-me sentir muito.