Para te esquecer


Naquela casa de corações fechados fui deixando de lembrar o teu feitio feito de raça e no outro dia quase que acendi as luzes ao recordar-me do teu calor. Atravessei essas nacionais todas para te ver de novo, respirei fundo por não te encontrar com a mesma facilidade de meses corridos contigo e depois sem ti. Sorri porque estava cheia de azares e andava feita louca a perder tudo. É sinal que o teu cheiro já não está aqui. Mas enquanto brincamos às escondidas fiquei rica, joguei nas lotarias todas. Fiz cara feia ao destino que não te queria e lutei para te poder dar muitas mais cartas. Mesmo durante este tempo todo em que me vistes ir embora continuei atrevida a fazer tudo igual e ficarias louco por saber que deu resultado. Os gatos pretos que te rodearam foram a morte deste meu amor. Deixei de pintar o cabelo de negro para te poder fazer o luto melhor. Fui à bruxa daquela casa aberta para ela me dizer que afinal à noite ainda podias ser meu, rezei para que me quisesses deixar ir e apagar este meu remorso de facilidade. Porque foi fácil demais deixar a minha sorte apesar de não querer perder o meu amuleto. Quando voltei, perguntaste-me onde andava eu, com o olhar falei-te das saudades que não tinha sentido. E das que me roubaram em palavras a contar-me que tu nunca me amaste. É mesmo fácil esquecer-te quando as pessoas próximas de ti contam-me histórias de como também vais às bruxas e de como lhes pediste para nunca te apaixonares por mim. De como eu nunca fui a tua sorte, de como nunca quiseste que eu fosse, de como me usaste. Tipo o mel que meto nas torradas de pequenos-almoços de verão, tipo areia nas minhas mãos, tipo sol a queimar-me. És do tipo que eu nunca quis. Talvez porque nunca quis ter essa capacidade de te marcar, de te escaldar, talvez porque sabia que naquela casa sem janelas eu e tu éramos tão iguais até quando mentíamos. Mas como eu não te podia ter, não foi preciso fazer feitiços para te amar. Contei-te disso, acho que te contei também de como não podia deixar que fosses o meu novo vício, dada a minha condição de estar perdida. És afinal do tipo que eu sempre quis. E do teu charme que era tão bom de aceitar não me lembro nada, deves ter algo traçado para que todas as coisas neste mundo não te lembrem e esquecer-te seja mais como isto de ir. Ainda assim rezei para que todos os pormenores se apagassem, que não se transformasse. Na natureza é assim e é porque era fácil não dizer o teu nome mas não tem sido fácil não te ter. Sonhei com as semanas que podia ter contigo nesta casa cheia de calor. Os momentos que me tiraste e que só não apagaste porque não podias. Guardei-te no peito em lembranças de coisas que não tivemos e agradeci porque é assim é mais fácil vender-me às rezas de enlouquecer. Agora nem eu sei como te perdi, se te fostes, se fui eu que rezei demais, mas era este tipo de amor que eu queria: não te ter, não te perceber, não te querer e por fim, um dia, não te amar. Mas eu amo-te e ainda rezo. 

5 comentários:

  1. "miúda eu não sei como te perdi", só me ocorre isto. escreves tão bem.

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  2. Bonito texto, como compreendo como te sentes :)
    Segui :)

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  3. Este texto é uma grande fonte de inspiração para mim. Adorei!

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  4. Talvez porque amá-lo ainda faz sentido. Ainda te aquece o coração. Quem sabe um dia a reza dê resultado. Ou, por outro lado, te canses de rezar.

    Que texto maravilhoso!

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