Witchcraft


Não sei se te limpe o sangue da cara, das mãos ou da alma. Tens a roupa encharcada e não sei se te ajude a escondê-la. Tenho provas que te incriminariam o resto da vida e hoje não sei se não as conto em anónimo. Não existe nem cura nem pena de morte para ti. És o pior animal que já conheci e não evito sentir uma compaixão pelo que fazes, mas não sei se é pena ou se acho que o teu charme está apenas em ti quando tens o cadastro prestes a ficar estragado, e sais sempre ileso. Eu só quero fugir e fico sempre à espera que queiras partir comigo. Enquanto enches a banheira, quem mergulha em dúvidas é a minha cabeça. E não sei se fique contigo ou não, escondido em segredo, à noite. Fumas um cigarro à janela do quarto, outro na varanda da sala, outro ao mesmo tempo que me vês perdida pela casa a arrumar a tua vida. Apetece-me ir ao terraço e gritar a besta que és, não aguento este peso de te guardar os corpos. Limpo-te as mãos primeiro para que me possas tocar sem eu me sentir ainda mais fora do bom senso, lavo-te a cara com o mesmo carinho que embrulho as tuas vitimas nos meus piores cobertores, e por fim, por mais que tente, só consigo tornar a tua alma mais suja, como um azulejo branco onde não tenho hipótese de vir a fazer um bom trabalho. É frustrante estar contigo e ver a merda que fazes, quando eu sou pior, neste caso melhor, que tu. Hoje estou cansada, além de frustrada, tiras-me do sério e atiro-te com a merda da tua toalha favorita à cara, estou farta de a lavar todos os dias na esperança que um dia as manchas que deixaste da tua primeira vez a matar saiam. Não tens classe nenhuma, já te disse não já? Estou cansada de olhar para a tua cara de falsa felicidade que nem uma semana dura até teres que matar outra vez. Estou cansada de olhar para as tuas mãos e sentir que existem átomos e nunca realmente me tocaste. Já não me fazes esquecer os paradigmas da vida, os mistérios de estar viva, pões-me ainda mais doente do que aquilo que eu estava quando te conheci. Estou revoltada com a tua aptidão para ver televisão, ler jornais, ficar aí satisfeito com o pouco que é poderes escapar sempre. Tento mostrar-te que há gente a matar melhor que tu e tu és só sempre a mesma merda que me traz raparigas fáceis para casa. Fico-me pelos bastidores do que és lá fora porque estou à espera de quem me faça sair de ti. Mas hoje cansei-me de esperar e tenho imensa pena que não possas ver isto. És uma espécie de imortal ao meu coração. Um tipo de falso vidente dos meus pensamentos. Tratas-me como a tua vítima que conseguiu fugir e nunca consegues matar, porque faço olhos castanhos, porque te sorrio doce, porque te ajudo sempre que posso. És na verdade tão simples de encantar por mim que me fazes acreditar que não tenho encantamento nenhum. Bate-me um vizinho à porta a queixar-se dos teus gritos, eu resolvo. Estou sempre sozinha, ninguém te conhece, ninguém sabe que moras pela calada nas paredes da minha casa. Talvez e afinal tenhamos os papéis invertidos porque hoje matei melhor que tu e tu terás que fugir. Liguei para te virem buscar, desculpa, pus o teu nome no meu crime, não sei se fiz bem porque se calhar e porque gosto de ti és sempre tu que me fazes falta, mas eu preciso de sair daqui e contigo a viver comigo, revolto-me demais e peco a menos. Vou recordar-te com a saudade de quem me ensinou a voar e tenho uma pena enorme que não possas vir comigo, porque já estou arrependida mas estou arrependida desde o dia em que te conheci, porque também, meu amor, eu não consigo viver contigo como nunca consegui viver comigo. Dar de caras com os teus segredos foi dar de caras com o que há de mais íntimo em mim. 

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