Nunca dou espaços

Não sei se quero escrever, porque por ventura escrever acaba sempre por ser uma maneira de voltar a mim e, de resto, eu sinto-me cansada das minhas próprias histórias. E conto-as, conto-vos com entusiasmo. Mas a vida não consegue ser muito mais que isto pois não? Pelo menos para nós que escrevemos.
Deparo-me com a verdade suposta de que a existência das vidas que se cruzaram com a minha têm pouco para me oferecer já. Estarei eu a descartar o bom livro? À semelhança dos outros, vou-me fartando do amor. Que por mais livre e simples que seja, exige sempre uma parte de mim que nem para mim tenho agora. Sinto-me a romper. A escavar peças de mim que já conheço tão bem e tão bem sei como destruir. Uma dor invade-me. E o metro passa e eu quero que ele passe por cima de mim. Mas entro. Se esta metáfora é possível para descrever o que sinto, eu sinto que deixo estas pequenas dores a formarem-se num caminho que me atropela e do qual eu não sei sair. De todas as vezes que mantive um coração coeso e duro, foram todas as vezes que a minha mente acabou furada. E eu não sei sair daqui. E despeço-me sempre. E acabo sempre por fugir. Desta vez, fujo para dentro de mim. Não me pretendo mover, pretendo apenas... Não sei o que pretendo. Cansados valemos muito pouco.

Não consigo escrever. Não consigo de tão dentro de mim, sair para vos contar esta história. De como acabei por sofrer. E acabando por sofrer como acabei por perceber que cometi o erro de nunca o ter feito até agora. Há algum tempo que tomo opções das quais nunca achei ser capaz. Quanto maior o desafio, maior o perigo, mas devo multiplicar isto por cem quando erro após erro, a sorte me cresce? Mas eu sinto que a minha sorte parou e sinto que perdi os pássaros no meu ombro.

E tenho saudades tuas.

Talvez devesse ter dito que te amava, realmente. Que sinto que se há alma foi só porque te beijei numa noite de luzes mais brilhantes, mais dança, mais coragem, mais global. Mas porque raio (me) fui eu ouvir-te quando me disseste para ser mais, mais, mais, mais... Mantenho-me em silêncio. Não consigo explicar a dor. Ninguém consegue, se alguém conseguisse talvez o mundo não tivesse mais livros para ler nem filmes para ver.
Na verdade não sou mais que a história onde não disse o que sentia (o mundo em guerra por causa disto) e acabei por perceber que era só mais um coração coeso e duro mas partido, como todos os outros. E as conversas à minha volta giram à volta disto. De como estamos todos tristes. Mantenho-me em silêncio mais uma vez sobre a minha própria tristeza. Mas não convenço ninguém nem me convenço a mim que isto vai passar porque sinto que de cada vez que passar por ti na rua me vai voltar o choro à garganta (ainda não podes dizer nada que eu já não saiba escrever).
Sinto muito a tua falta, mais ainda sinto a minha. E eu prometi a mim mesma sair disto mas já são dez da noite e isto é tão merda que se torna num alívio por ainda estar viva para escrever.

Descalça, estou descalça, mas ando.
Quero transformar a dor dentro de mim (em arte).

Estava nos rascunhos

Presenteio-vos com o que menos gosto, desculpem, apresento-vos a minha incoerência. Atropelei-me para cá chegar, e vim atrasada. Vim atrasada numa transposição de mim mesma. Devo ter dito para ir à frente enquanto me tentava apanhar. "Já te apanho". Com certeza, apresento-vos a incoerência de mim mesma. Abri a porta do quarto e sentei-me na cama. Cheira a tabaco nos lençóis, creio até ser capaz de fumar directamente da fronha, tenho a alma encardida e amarrotada e não faço a cama onde me deito. Não me quero desculpar, é claro, mas abri a porta do quarto sem ter em atenção a falta de educação de uma sala cheia de gente. Por favor não finjam que reparam que me ausentei, tenho a alma por mudar há semanas. É preciso saber sair. Devagar, ainda que repentinamente. Levantando o corpo num só gesto, como se fosse breve a ausência, é precisar sair dos lugares. Penso que se passa o mesmo com a vida das pessoas. Não quero enganar ninguém com metáforas, gostava de ser concisa como nos cafés em que falo com aqueles que falam a minha linguagem, mas tenho um problema com a materialidade das relações. Sou prática porque me levanto num só gesto e não me despeço, mas prefiro um quarto sujo com um livro desassossegado a uma sala cheia de gente. Venho a aperceber-me da minha necessidade de isolamento e não sei porque me debato tanto em processo de abandono. Não é sobre isto que eu quero escrever. Na verdade, a maneira como eu me canso ordinariamente das pessoas e as descarto e me estou a desculpar com feitios e feitos é já um pensamento secundário. Reparando que sendo tantas vezes um problema na verdade deixou de o ser. Ou a normalidade. A banalidade da existência que não consigo captar em ninguém da forma que eu sinto acaba por ser impressa nesta ausência. Neste bloqueio. Tenho um plano gráfico da minha emoção sempre mentalmente claro e exposto na cara de cada um que me fala. É mais do que evidente para mim que tenho um problema em ouvir neste momento. Como um quadro torto no meio da sala que ajeitas sempre que passas, não sei se me sinto como a pintura que já é anónima ou se me sinto com a força da madeira e do metal para firmemente te dizer que tenho um lugar. Ainda que esta última opção não me agrade de maneira nenhuma. Tenho um problema em ouvir-te e por isso olho-te de frente. 
Também não é sobre isto que eu quero escrever, não quero escrever sobre como tenho sido egoísta, fechada e desonesta no tratamento dos outros. Tenho um enorme carinho, quero acreditar, mas não tenho paciência. Sou até apenas desonesta porque não sabeis vós mas eu não tenho paciência para nenhum. E nem me lembro de ter escrito isto.

Lovers